Já fazia algumas semanas que nada acontecia. O tédio, o calor e a absurda falta do que fazer corrompia a mente dos inocentes viajantes.
George se prendeu voluntariamente a uma rotina religiosamente calculada para que seu cérebro só começasse a funcionar depois das 8 horas da noite. Poncho se isolou numa encosta perto do mar e, de acordo com as últimas notícias que haviam recebido dele, passava o tempo todo entre olhar o mar e cuidar da sua plantação de cacau. Rurko se perdia nas suas idéias doidas, atingindo altos níveis de perícia em coisas como origami, malabares e cozimento de variados tipos de massa.
Ele acordou com o vento frio que veio antes da chuva, coisa muito rara naquele deserto, o que foi um alívio para aqueles dias secos que vinham passando em Kosciuzko
O vento o fez despertar para o que estava acontecendo e como a situação sugava sua força vital. O festival de bandas já havia acabado há muito tempo e foi-se com ele a falsa imagem de animação daquele lugar.
Com um chute na cama de cima do beliche, ele acordou George, que gritou assustado:
- O quê? – Em um tom que, com posteriores análises de Cogudex, pôde ser analisado como sendo 10% voz, 10% calor e 80% sono.
- A gente tem que ir embora... nós estamos nos acomodando com esse tédio todo, mais um pouco e vamos atrofiar nossos cérebros! – Disse Rurko animadinho.
- O quê?
- O seu já está atrofiando, vou buscar café.
E no mesmo segundo, George já havia dormido de novo.
Depois do café que Rurko o fez tomar com muito esforço, porém, ele ficou se perguntando porque seu cérebro havia sido despertado antes das 8.
- Aaaah, cara, não sei... Vamos ver o que o Poncho acha disso tudo. – Disse George já acomodado com sua acomodação.
- Ótima ideia! Faz tempo que não vemos o Poncho.
Os dois partiram em direção à estação de carroça-magnética, onde, depois de meia hora de fila, compraram duas passagens para a costa.
A carroça da linha “Midnight Oil” chegou atrasada, pois havia tido problemas nos imãs que a mantinham flutuando sobre os trilhos. As placas de “Men At Work” ficaram pela linha até as 11 horas da noite.
Só George aproveitou a viagem, olhando a bela paisagem desértica iluminada pelas 3 luas de Kosciuzko, seguida pela imensidão de pastos e arbustos, conforme se aproximavam da costa, enquanto Rurko parecia perdido em pensamentos. As 3 luas do planeta intrigavam George, pois só agora, viajando pelo espaço, ele havia percebido como as coisas ficavam mais bonitas quando havia mais luas ou mais sóis no céu. Devia ser pelo fato de tudo ficar mais bem iluminado, ou pelo maior número de sombras se eram formadas.
Além disso, as civilizações com mais astros desenvolviam a matemática muito mais rapidamente, pois a astronômica ficava deveras mais interessante.
Já era cedo quando a carroça magnética parou, e um dos sóis havia nascido. Os dois viajantes saíram da estação, cada um com um saquinho de pipocas doce, o que fizera surgir em Rurko uma certa culpa, pois sua mãe o fez prometer que sempre tomaria café da manhã saudável.
Poncho morava em um casebre no alto da encosta, rodeado de eucaliptos, de onde se podia ver o que parecia ser sua roça de cacau lá embaixo. No momento em que chegaram, um segundo sol estava nascendo para realinhar as órbitas dos planetas. Rurko ficou levemente embasbacado com a cena, e teve que ser sacudido por George para que voltasse à realidade.
No fim da estradinha que levava à encosta havia algo que se parecia muito com um mendigo sentado em uma pedra, filosofando. De repente, a criatura virou e gritou:
- HAO!
Nesse momento, eles perceberam que o mendigo era ninguém mais, ninguém menos, que Poncho, e a primeira coisa que George perguntou foi:
- Faz quanto tempo que você não corta o cabelo?
- A pergunta certa seria “Faz quanto tempo que você não toma banho?”. – Disse Poncho com um ar de quem não falava há meses – Rurkolino, eu fiz chocolate!
- Haha, deve ter ficado uma droga. Cadê?
O chocolate estava horrível.
- A minha vaca morreu e eu fiquei sem leite, além disso, o clima é horrível para plantar cacau, então eu fui plantar abacaxi, mas a minha plantação pegou fogo! Agora eu vivo da venda de estrume.
“Isso explica a troca das árvores pelos arbustos rasteiros”, pensou George, porém, uma pergunta mais pertinente e importante foi o que saiu em voz alta:
- De que bicho você vende o estrume, se a vaca morreu?
- Bicho nenhum! – Respondeu Poncho com um sorriso melindroso – Quando é que a gente vai embora?
- Dá um tempo! – Respondeu Rurko de boca cheia e com a bacia de chocolates nas mãos. – A gente tem que buscar a Valkiria ainda.
- Ok... – Disse George, triste ao se lembrar que a nave não era a única coisa que eles tinham que buscar daquele planeta.
À noite, à luz do lampião de LED, Poncho sossegou George ao dizer que eles voltariam para buscar Alice. Depois disso, as rugas na testa de George sumiram e até o chocolate passou a ter um gosto melhor.
No dia seguinte, acordaram depois da hora do almoço, a não ser Rurko, que ficou a noite toda pilhado no açúcar do chocolate.
George, já livre de sua rotina, comentou aliviado que Poncho parecia melhor de sua loucura, já que ele não queria mais se isolar e viu que o chocolate foi uma má ideia. Rurko concordou e atentou para o fato de que ele até tinha tomado um banho. Uma noite com os ares da companhia humana realmente fez muito bem ao companheiro.
Nesse momento, Poncho entrou em seu casebre com um galão de gasolina.
- Agora é o momento épico, meus caros, de botar fogo, só pra ver queimar!