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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Capítulo 8


Uma coluna de fumaça se destacava no céu estrelado de Kosciuzko, escondendo parcialmente o brilho de duas das três luas que iluminavam a superfície desértica daquele planeta. Abaixo dessa coluna, podia se ver uma velha cabana pegando fogo e, a sua volta, três cadeiras de praias molambentas, prontas para ranger ao mínimo contato físico, ocupadas por três jovens que se largavam sobre elas. Poncho já estava roncando enquanto dormia abraçado ao seu galão de gasolina, Rurko falava incessantemente sobre guloseimas que sua mãe fazia e que seria ótimo acompanhamentos para esse cenário, e George observava as chamas que dançavam compassadamente a sua frente enquanto deixava um pedaço de chocolate derreter no canto da boa.
De repente Poncho levantou da cadeira, derrubando o galão, depois sacudindo a poeira:
- Vamos!
- Vamos! - respondeu Rurko.
- Vamos... Onde? – resmungou George enquanto engolia seu chocolate.
- Emboooora, caaaaaaaara! Já vimos a parada toda queimar, vamos!
- Três vezes ainda.
- Ah, é a vida. Vamos, caaara?
- Na última você ainda colocou mais gasolina, só porque o Rurko viu que tinha sobrado chocolate lá dentro.
- Eu sou louco, cara. Acontece. Vamos?
- E sabe de uma coisa? Esse chocolate é horrível mesmo.
- Ele nunca foi bom. Vamos?
- Tudo bem... Vamos. – suspirou George – Como a gente sai daqui, Rurko?
- Se quisermos mesmo ir embora temos de pegar a Valkyria de volta.
- Ééé - dizem George e Poncho ao mesmo tempo - onde você a deixou?
- Não deixei em lugar nenhum, ela foi confiscada. A gente não está aqui a passeio, isso é uma prisão. Agora temos de ir pra Wallaby, falar com o comissário de Kosciuzko
- Pra que isso? - Perguntou George.
-É um teste, pra ver se nós não somos mais semi-rebeldes.
Com a decisão de partir tomada, o grupo foi em direção à estação de carroças-magnéticas novamente, de onde eles rumariam para cidade de Wallaby, que ficava a poucas centenas de quilômetros dali.
Depois de alguma fila e uns trocados mais pobres, os três estavam dentro da carroça indo ao seu destino. Porém, tudo que se podia ouvir durante a viagem, eram interjeições de Poncho devido ao quão legal eram aquelas carroças, e como elas poderiam mudar o mundo.
- O que tem de incrível, cara? Você não veio usando uma delas? – Perguntou Rurko.
- Claro que não! Na noite que eu fui embora eu saí por aí, pensando num lugar bacanoso onde eu poderia começar minha plantação. Então, perto de onde estavam acontecendo os shows tinha um maluco falando de um lugar incrível e místico perto do mar, onde tudo poderia virar realidade.
- E você acreditou nessa bobeira? – Disse George ceticamente.
- Claro que não, cara! Ele era pirado! Só que daí ele virou pra mim e falou “Vamos, Banzé!”. Daí eu fui, porque achei o apelido maneiroso!
Depois de mais ou menos uma hora de insanidades ditas por Poncho, eles já estavam passando por cima da ponte dos "Heróis da Grande Caça Avassaladora dos Coelhos", mas que todo mundo chamava de ponte da carroça, já que era por lá que passavam os trilhos das carroças. Lá embaixo se via o canal, que separava a ilha de Wallaby do continente. A ilha ficava na baía da corrente alternada, lugar onde os primeiros cosmonautas aterrissaram, a centenas de anos atrás, quando ninguém tinha naves próprias e todos tinham de andar de ônibus espacial. Muito se discutiu na época se deveriam chamar a baía de corrente alternada (AC, no dialeto de Kosciuzko) ou corrente contínua (DC). No final, venceu alternada, pois o principal defensor de contínua levou um raio (ou pelo menos dizem que foi um raio).
Mas esses dias de pioneiros e ônibus cruzando o céu haviam acabado, e agora o que Rurko, George e Poncho viam eram os surfistas e as garotas de micro-biquini andando na areia, aproveitando suas vidas endinheiradas no mais novo destino turístico.
 Wallaby se destoava do padrão “sujo-bagunça-raio-da-morte-problemas” que eles haviam passado até agora. O centro da cidade era uma grande praça, com uma bela fonte no centro jogando água em alta-pressão pra o alto, fazendo com que você sinta seu rosto ligeiramente úmido em qualquer ponto da cidade, em volta da praça, pequenos prédios sistematicamente dispostos numa forma circular, o que formavam grandes anéis de prédios e ruas quando vistos por cima, anéis esses que acabavam nas praias cheias de turistas chapeludos que adoravam mostrar o quanto eram certinhos. Porém a grande referência da cidade era o prédio da Comissão Anti-Rebeldia, que se destacava por ser o maior prédio de lá. A Comissão era o órgão maior de Kosciuzko, era sua função gerenciar os núcleos de rebeldes espalhados pelo planeta, comandar os centros de reabilitação, e, o que mais interessava no momento, decidia quem entrava e saía no planeta.
Pouco a pouco, o trio foi sentindo o desacelerar da carroça que anunciava que eles haviam chegado a seu destino. Ao desembarcarem, se depararam com uma estação em forma de concha acústica que fazia vista para cidade, cenário paradisíaco pra quem havia se acostumado com cabana em chamas ou semi-rebeldes suando suas almas num festival de rock. Porém, a mendiguice de Poncho o fez notar um ponto de sujeira no meio de tanta beleza, um ponto sujo e conhecido. Era seu antigo professor de inglês, Rafayol.
Antes da Virada Verde, Rafayol dava aulas no antigo colégio de Ponho e George, até ser mandado embora por tocar rock & roll para seus alunos. Segundo relatos nunca confirmados, mas muito comentados, as exatas palavras do coordenador da escola no momento de sua demissão foram, “Música desperta coisas terríveis nos alunos! Você quer o que, Rafayol? Que eles sejam criativos e pensantes? Não é isso que precisamos dos jovens!”.
Com a debandada para o espaço, Rafayol contrariou sua esposa e foi lecionar na universidade mais psicofunkdélica (como os próprios estudantes costumavam se referir a ela) do setor oeste da galáxia, a famosa Universidade do Rock.

Porém, como tudo que era público no universo, a universidade estava em greve. Os professores reclamavam da falta de estrutura, como a falta de drogas ilícitas para os alunos de Alucinações Psicodélicas I, ou a quantidade escassa de instrumentos para serem queimados ou quebrados pelos frequentadores de “Física Rockstar”.

Ao se aproximarem, perceberam que o velho professor estava tocando suas músicas por alguns trocados. Trocados bem gordos vindo daqueles turistas ricaços.

- E aí, Rafayol! – Cumprimentou Poncho, jogando uma moeda.
- Fala rapaziada. Que vocês tão fazendo aqui?
- A gente veio recuperar a nave do Rurkolino – Respondeu George, recuperando a moeda que Poncho havia jogado e mais algumas outras, caso eles precisassem.
- WOOW! Então vieram para o grande teste?
- Teste? Tipo uma grande de lutas de espadas de madeira? Ou um concurso de conhecimento élfico? – Perguntou Rurko, usando todas as onomatopeias que lhe fosse necessário para se expressar.
- Hmm, não. É só uma série de perguntas pra ver se vocês não são mais semi-rebeldes. Perguntas moçadas, sobre Rock, física e previdência privada. Eu passei por essa fase uma época, e fiz uma música.
- Toca ela pra gente - disse George, com um leve ânimo.
- Não, ficou uma bosta - disse Rafayol, com olhinhos de quem queria que pedisse de novo.
- Toca logo - disse Rurko, que nem conhecia o professor, mas ficou impaciente, talvez pela música, talvez pela fome.

Rafayol começou a tocar e depois já emendou "Cara legal", uma das suas melhores músicas. A concha acústica se encheu com a canção e as pessoas começaram a se aproximar. Rafayol começou a se animar, e foi emendando mais músicas. O trio começou a ficar de saco cheio daquela gente toda e foi mais ou menos quando Poncho estava querendo morrer que Rurko disse:
- Vamos sair logo daqui, já tá bom de música.
Poncho e George agradeceram mentalmente e os três partiram rumo a uma barraquinha de pipoca.
- A gente come pipoca. E depois? - disse Poncho.
- Depois a gente vai ao prédio da Comissão Anti-Rebeldia. De volta a Valkyria, de volta ao espaço. - respondeu Rurko, já imaginando como seria bom usar um banheiro próprio depois de tanto tempo usando o da cabana do acampamento ou, na plantação de Poncho, o matinho mesmo.
Depois de Rurko ter comido praticamente toda pipoca do carrinho, e Poncho e George terem de arrasta-lo por três ruas pra que não acabasse estacionando em algum outro carrinho de comida, eles haviam chegado a frente do prédio da Comissão, onde o teste os aguardava.