Um cubo gigante, com poucas janelas simetricamente
dispostas, paredes de uma branqueza límpida reluzindo ao brilho dos sóis
alaranjados que já estavam sumindo no horizonte.
Rurko empurrou a maçaneta de acrílico branca da porta de
eucalipto branco do grande prédio branco da Comissão. Ao entrarem no prédio, foram atendidos por uma
secretária sem expressão, com cabelo preso num coque e roupa perfeitamente
alinhada que observava a tela de seu computador branco com ícones perfeitamente
dispostos.
Enquanto Poncho e George esperavam num canto tentando não
estragar nada naquele cenário claro e limpo, Rurko se aproximou para pedir
informações com a secretária, tentando utilizar todo seu traquejo social e
amabilidade adquirida fora de casa.
- Com licença, a senhorita poderia nos informar onde fica a
sala de teste de rebeldia?
Ela apenas lançou um olhar frio que atravessou seus óculos e
penetrou no entusiasmo de Rurko e apontou para um grande estande localizado a
direita do balcão onde estava um mapa do prédio, com complexos corredores
orquestrados de tal modo que parecia um labirinto. Rurko se dirigiu até o mapa
e contemplou o que pra ele parecia ser uma fase gigante do pac-man com luzes
piscantes e indicações, então para compartilhar dessa gloriosa vista sinalizou
com acenos para Poncho e George virem ver. Enquanto Rurko e Poncho se perdiam
entre os corredores do mapa imaginando quais seriam os melhores caminhos,
George já se encaminhava em direção a única rota que se direcionava ao interior
do prédio.
Andando pelos corredores iluminados de maneira sóbria, os 3
começaram a imaginar que tipo de ser humano seria o chefe da comissão de
anti-rebeldia. Que tipo de pessoa se sentiria a vontade em um lugar como aquele
em que todos os ângulos eram retos?
Rurko ficou imaginando um homem bem alinhado e com diversas
manias de limpeza e arrumação, ficou pensando em um sujeito como Clint Eastwood
misturado com Jack Nicholson alinhando o terno engomado. Provavelmente sentado
em uma cadeira de couro preto.
George se desviou do pensamento e ficou imaginando como
seria legal se ele estivesse comendo, ou talvez com a sua garota ou talvez os
dois, por que não?
Poncho ficou imaginando o reitor de sua antiga universidade
em um terno espacial. Ele nunca gostara de nenhuma de suas autoridades e sempre
esperava o pior de alguém em uma posição de poder.
Eles andavam naquele labirinto interminável, as luzes
passavam como se estivessem andando em uma calçada a noite, cada vez que se
incrustavam mais fundo do prédio a luz de fora diminuía até certo momento em
que só sobrou a luz artificial branca igualmente espaçada umas das outras.
Durante o percurso, Rurko foi lendo as placas que ficavam
acima das portas. “Diretoria das normas e leis”, “ Diretoria da diretoria das
normas e leis”, “Central de controle rebelde”, “Alteração musical”,
“Sanatório”, “Imposto de Renda”, “Departamento Jurídico” e tantas outras coisas
terríveis.
Chegaram à porta. Poncho bateu e de dentro veio um:
"Olá, Garotos do espaço".
A porta se abriu, e lá estava o Diretor do controle
anti-rebeldia sentado em uma cadeira de couro alta, atrás de uma mesa toda de
acrílico. A luz da sala se focava apenas nele, na mesa e em três cadeiras
postas lado a lado na sua frente.
- Sentem – ele disse em sua voz levemente britânica, porém
caipira.
A sua frente estava o Diretor, David Bowie. Ou apenas a
lembrança do antigo rebelde rockstar que tinha o título de “Camaleão do Rock”.
Nada de cabelo pintado ou maquiagem, nada de roupas espalhafatosas ou a
completa falta de roupas. Apenas um senhor ligeiramente gordo, cabelo
devidamente penteado, usando uma camisa branca com gravata e calças cinza.
Os testes começaram.
Rurko foi chamado e uma luz acendeu mostrando uma porta. Entrou.
Era uma sala feita para suprimir a saída de qualquer som com paredes cobertas
por uma espessa espuma. No centro da sala havia uma cadeira pouco confortável
de madeira.
Quando Rurko se sentou a porta se fechou, ele estremeceu,
estava ali sozinho sem saber o que ia acontecer e aquela cadeira realmente
incomodava. Não era feita para seres humanos. De repente Rurko ouviu algo bem
baixinho que começou a aumentar, era "I Wanna Be Sedated" dos Ramones
com seus tons agitados e vibrantes, logo Rurko entendeu, eles queriam fazê-lo
se agitar.
Afinal, ramones era uma das bandas mais rebeldes que foram
revividas depois da virada verde.
Ele se agarrou a cadeira para não responder a musica, mas
aquela cadeira se contorcia mais e mais com o progresso da musica.
Chegou uma hora que rurko foi obrigado a sair da cadeira e
ficar de pé. Ouvia cada refrão e quando ouvia "Hurry, hurry, hurry before
I go insane" abria-se um sorriso em seu rosto pois era loucura ficar
imovel sob o som das batidas rápidas e alucinantes.
Rurko então usou uma artimanha que viu há muito tempo em um
filme para passar despercebido, colocou a mão nos bolsos e encolheu os ombros,
e tentou se concentrar apenas em sua Valkiria esperando para voltar as rodovias
espaciais, foram 2 minutos longos mas finalmente acabou. A porta se abriu.
Poncho foi para uma sala onde havia um projetor de imagens.
Borrões de tinta começaram a aparecer na parede. Uma voz vinda de uma caixinha
de som começou a perguntar o significado das imagens.
Poncho não fazia ideia do que os borrões significavam então
começou a chutar. Conforme respondia, começou a dar vazão ao velho ranzinza e
avarento que vivia dentro de si: “Moedas”, “Cifrão”, “Estrela”, “6 pontas”,
“Poupança”, “Porquinho”, “Circuncisão”.
George ficou na sala com aquilo que restava do rockstar.
Bowie começou a lhe fazer perguntas:
- O que você acha das charges politicas, meu jovem?
- Eu não sei, nunca entendi aquilo. Quem são aquelas
pessoas? Do que elas estão falando? E porque cargas d’água tem um caranguejinho
no canto delas todas?
- Suspensórios? – emendou Bowie enquanto fazia anotações
sobre a primeira pergunta.
- Que?
Mais anotações.
- A luz está acesa na sala ao lado, e não tem ninguém dentro
dela. O que você faz?
- Depende da preguiça... Mas seria bom se ela apagasse sozinha.
Era visível o desapontamento de Bowie com desempenho dos
jovens viajantes. Porém havia um problema de espaço em Kosciusko, e “alguém”
precisava de três vagas para “algumas pessoas”, e então o diretor teria que
resolver isso da forma mais sensata e responsável.
PERGUNTA BÔNUS SUPER-MEGA-ESPECIAL DE VERÃO!
Rapidamente a sala virou o palco de um programa de
auditório, com direito a explosões de confete, assistentes de palco e grandes cortinas
vermelhas com prêmios escondidos.
- Quantas notas? – perguntou Bowie, que agora tinha um
grande topete colorido com 50 tons de caju.
- oito.
E então, o pianista tocou as oito notas pedidas e George
continuou:
- Pra ver a banda passar cantando coisas de amor - É “A
Banda” do Chico Buarque.
A resposta emocionou o velho Bowie, pois nunca mais tinha
visto alguém cantar versos dessa música ou qualquer outra da MPB.
Isso porque desde o acidente do comboio “Pau Canela”, a
maior parte daquela galerinha mais ou menos que você poderia ver em qualquer
porta de barzinho tocando cavaquinho e uns batuques, morreu.
A nave “Pau Canela” era do comboio da turma intelectualóide
brasileira. Foi a última a sair do planeta pela demora da discussão em relação
ao nome de batismo. Na verdade, as últimas gravações da caixa preta indicavam
que se esqueceram de corrigir a rota em direção ao sol por ficarem discutindo “as
revérberações do univérso em relação ao nome do comboio”. Havia aqueles que
queriam mudar o nome para “Chimbinha, o deus da guitarra”; aqueles que queriam “Baião
de corda” e aqueles só queriam curtir um amor livre.
Bowie, com uma lagrima lutando para não cair, apontou para
as cortinas e disse:
- Certa resposta. Agora vamos para a prova das cortinas, que
prêmios temos hoje?
Uma voz de locutor de rádio surgiu:
- Os prêmios de hoje são: A nave Valkirya, em todo seu
esplendor e ferrugem, um polystation 4 e um milhão de reais em barras de ouro,
que valem mais do que dinheiro.
- Qual cortina, jovem? – Perguntou Bowie.
- A número 3 – respondeu George querendo ganhar um Playstation,
nem suspeitando da maracutaia do nome “poly”station.
Rufar de tambores, a cortina se abre, revelando um
passaporte para a liberdade na forma de uma nave completamente suja.
Bowie cumprimenta o jovem George e uma assistente de palco
traz a chave da nave. De uma porta nos bastidores vem Poncho e Rurko, levemente
maquiados e surpresos pelo aumento do tamanho da sala.
Os viajantes se despedem do velho Rockstar e saem com a nave
quebrando o teto para o desespero dos patrocinadores.
Depois de muitas comemorações dentro da Valkyria, e uma
crise de “computador abandonado” do eufórico Cogudex, começou a discussão de
qual seria seu próximo destino, já que era patético eles terem pousado atrás de
uma pedra após terem quebrado um teto. “Um teto quebrado é sinal de grandes aventuras,
cara!”, gritava Poncho. No meio de uma tripulação entediada, Rurko salta sobre
a cadeira já dando novas direções para a Valkyria:
- Ajustar rota, Cogudex! Já sei para onde vamos!
- Isso era mesmo necessário? – ironizou George antes que o capítulo acabasse.