Páginas

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Capítulo 9



Um cubo gigante, com poucas janelas simetricamente dispostas, paredes de uma branqueza límpida reluzindo ao brilho dos sóis alaranjados que já estavam sumindo no horizonte.
Rurko empurrou a maçaneta de acrílico branca da porta de eucalipto branco do grande prédio branco da Comissão.  Ao entrarem no prédio, foram atendidos por uma secretária sem expressão, com cabelo preso num coque e roupa perfeitamente alinhada que observava a tela de seu computador branco com ícones perfeitamente dispostos.
Enquanto Poncho e George esperavam num canto tentando não estragar nada naquele cenário claro e limpo, Rurko se aproximou para pedir informações com a secretária, tentando utilizar todo seu traquejo social e amabilidade adquirida fora de casa.
- Com licença, a senhorita poderia nos informar onde fica a sala de teste de rebeldia?
Ela apenas lançou um olhar frio que atravessou seus óculos e penetrou no entusiasmo de Rurko e apontou para um grande estande localizado a direita do balcão onde estava um mapa do prédio, com complexos corredores orquestrados de tal modo que parecia um labirinto. Rurko se dirigiu até o mapa e contemplou o que pra ele parecia ser uma fase gigante do pac-man com luzes piscantes e indicações, então para compartilhar dessa gloriosa vista sinalizou com acenos para Poncho e George virem ver. Enquanto Rurko e Poncho se perdiam entre os corredores do mapa imaginando quais seriam os melhores caminhos, George já se encaminhava em direção a única rota que se direcionava ao interior do prédio.
Andando pelos corredores iluminados de maneira sóbria, os 3 começaram a imaginar que tipo de ser humano seria o chefe da comissão de anti-rebeldia. Que tipo de pessoa se sentiria a vontade em um lugar como aquele em que todos os ângulos eram retos?
Rurko ficou imaginando um homem bem alinhado e com diversas manias de limpeza e arrumação, ficou pensando em um sujeito como Clint Eastwood misturado com Jack Nicholson alinhando o terno engomado. Provavelmente sentado em uma cadeira de couro preto.
George se desviou do pensamento e ficou imaginando como seria legal se ele estivesse comendo, ou talvez com a sua garota ou talvez os dois, por que não?
Poncho ficou imaginando o reitor de sua antiga universidade em um terno espacial. Ele nunca gostara de nenhuma de suas autoridades e sempre esperava o pior de alguém em uma posição de poder.
Eles andavam naquele labirinto interminável, as luzes passavam como se estivessem andando em uma calçada a noite, cada vez que se incrustavam mais fundo do prédio a luz de fora diminuía até certo momento em que só sobrou a luz artificial branca igualmente espaçada umas das outras.
Durante o percurso, Rurko foi lendo as placas que ficavam acima das portas. “Diretoria das normas e leis”, “ Diretoria da diretoria das normas e leis”, “Central de controle rebelde”, “Alteração musical”, “Sanatório”, “Imposto de Renda”, “Departamento Jurídico” e tantas outras coisas terríveis.
Chegaram à porta. Poncho bateu e de dentro veio um: "Olá, Garotos do espaço".
A porta se abriu, e lá estava o Diretor do controle anti-rebeldia sentado em uma cadeira de couro alta, atrás de uma mesa toda de acrílico. A luz da sala se focava apenas nele, na mesa e em três cadeiras postas lado a lado na sua frente.
- Sentem – ele disse em sua voz levemente britânica, porém caipira.
A sua frente estava o Diretor, David Bowie. Ou apenas a lembrança do antigo rebelde rockstar que tinha o título de “Camaleão do Rock”. Nada de cabelo pintado ou maquiagem, nada de roupas espalhafatosas ou a completa falta de roupas. Apenas um senhor ligeiramente gordo, cabelo devidamente penteado, usando uma camisa branca com gravata e calças cinza.
Os testes começaram.
Rurko foi chamado e uma luz acendeu mostrando uma porta. Entrou. Era uma sala feita para suprimir a saída de qualquer som com paredes cobertas por uma espessa espuma. No centro da sala havia uma cadeira pouco confortável de madeira.
Quando Rurko se sentou a porta se fechou, ele estremeceu, estava ali sozinho sem saber o que ia acontecer e aquela cadeira realmente incomodava. Não era feita para seres humanos. De repente Rurko ouviu algo bem baixinho que começou a aumentar, era "I Wanna Be Sedated" dos Ramones com seus tons agitados e vibrantes, logo Rurko entendeu, eles queriam fazê-lo se agitar.
Afinal, ramones era uma das bandas mais rebeldes que foram revividas depois da virada verde.
Ele se agarrou a cadeira para não responder a musica, mas aquela cadeira se contorcia mais e mais com o progresso da musica.
Chegou uma hora que rurko foi obrigado a sair da cadeira e ficar de pé. Ouvia cada refrão e quando ouvia "Hurry, hurry, hurry before I go insane" abria-se um sorriso em seu rosto pois era loucura ficar imovel sob o som das batidas rápidas e alucinantes.
Rurko então usou uma artimanha que viu há muito tempo em um filme para passar despercebido, colocou a mão nos bolsos e encolheu os ombros, e tentou se concentrar apenas em sua Valkiria esperando para voltar as rodovias espaciais, foram 2 minutos longos mas finalmente acabou. A porta se abriu.
Poncho foi para uma sala onde havia um projetor de imagens. Borrões de tinta começaram a aparecer na parede. Uma voz vinda de uma caixinha de som começou a perguntar o significado das imagens.
Poncho não fazia ideia do que os borrões significavam então começou a chutar. Conforme respondia, começou a dar vazão ao velho ranzinza e avarento que vivia dentro de si: “Moedas”, “Cifrão”, “Estrela”, “6 pontas”, “Poupança”, “Porquinho”, “Circuncisão”.
George ficou na sala com aquilo que restava do rockstar. Bowie começou a lhe fazer perguntas:
- O que você acha das charges politicas, meu jovem?
- Eu não sei, nunca entendi aquilo. Quem são aquelas pessoas? Do que elas estão falando? E porque cargas d’água tem um caranguejinho no canto delas todas?
- Suspensórios? – emendou Bowie enquanto fazia anotações sobre a primeira pergunta.
- Que?
Mais anotações.
- A luz está acesa na sala ao lado, e não tem ninguém dentro dela. O que você faz?
- Depende da preguiça... Mas seria bom se ela apagasse sozinha.
Era visível o desapontamento de Bowie com desempenho dos jovens viajantes. Porém havia um problema de espaço em Kosciusko, e “alguém” precisava de três vagas para “algumas pessoas”, e então o diretor teria que resolver isso da forma mais sensata e responsável.
PERGUNTA BÔNUS SUPER-MEGA-ESPECIAL DE VERÃO!
Rapidamente a sala virou o palco de um programa de auditório, com direito a explosões de confete, assistentes de palco e grandes cortinas vermelhas com prêmios escondidos.
- Quantas notas? – perguntou Bowie, que agora tinha um grande topete colorido com 50 tons de caju.
- oito.
E então, o pianista tocou as oito notas pedidas e George continuou:
- Pra ver a banda passar cantando coisas de amor - É “A Banda” do Chico Buarque.
A resposta emocionou o velho Bowie, pois nunca mais tinha visto alguém cantar versos dessa música ou qualquer outra da MPB.
Isso porque desde o acidente do comboio “Pau Canela”, a maior parte daquela galerinha mais ou menos que você poderia ver em qualquer porta de barzinho tocando cavaquinho e uns batuques, morreu.
A nave “Pau Canela” era do comboio da turma intelectualóide brasileira. Foi a última a sair do planeta pela demora da discussão em relação ao nome de batismo. Na verdade, as últimas gravações da caixa preta indicavam que se esqueceram de corrigir a rota em direção ao sol por ficarem discutindo “as revérberações do univérso em relação ao nome do comboio”. Havia aqueles que queriam mudar o nome para “Chimbinha, o deus da guitarra”; aqueles que queriam “Baião de corda” e aqueles só queriam curtir um amor livre.
Bowie, com uma lagrima lutando para não cair, apontou para as cortinas e disse:
- Certa resposta. Agora vamos para a prova das cortinas, que prêmios temos hoje?
Uma voz de locutor de rádio surgiu:
- Os prêmios de hoje são: A nave Valkirya, em todo seu esplendor e ferrugem, um polystation 4 e um milhão de reais em barras de ouro, que valem mais do que dinheiro.
- Qual cortina, jovem? – Perguntou Bowie.
- A número 3 – respondeu George querendo ganhar um Playstation, nem suspeitando da maracutaia do nome “poly”station.
Rufar de tambores, a cortina se abre, revelando um passaporte para a liberdade na forma de uma nave completamente suja.
Bowie cumprimenta o jovem George e uma assistente de palco traz a chave da nave. De uma porta nos bastidores vem Poncho e Rurko, levemente maquiados e surpresos pelo aumento do tamanho da sala.
Os viajantes se despedem do velho Rockstar e saem com a nave quebrando o teto para o desespero dos patrocinadores.
Depois de muitas comemorações dentro da Valkyria, e uma crise de “computador abandonado” do eufórico Cogudex, começou a discussão de qual seria seu próximo destino, já que era patético eles terem pousado atrás de uma pedra após terem quebrado um teto. “Um teto quebrado é sinal de grandes aventuras, cara!”, gritava Poncho. No meio de uma tripulação entediada, Rurko salta sobre a cadeira já dando novas direções para a Valkyria:
- Ajustar rota, Cogudex! Já sei para onde vamos!
- Isso era mesmo necessário? – ironizou George antes que o capítulo acabasse.