- Contar cartas, cara! Igual naquele filme em que o cara quer pagar a faculdade.
- Pô, Poncho! De novo isso?
- Muita grana rolando, cara!
- Até daria certo, George, mas o cara do filme era inteligente, a gente não consegue nem se lembrar de botar uma bateria na nave. - Disse Rurko incrédulo.
- Putz! Então a gente vai ter que botar antes de sair? –
- É, mas sossegado, eles fazem isso aqui no porto.
Nisso chega à mesa a garrafa de Yamandu e as costeletas de Rinocetério. Prato típico de qualquer espaço-porto em rotas de naves de carga. Delicioso, se você não estiver muito preocupado com o sabor.
Na verdade eles já estavam acostumados com esse cardápio de tripulação, essas rotas haviam se tornado rotina desde que a rota turística se encheu de tarifas e gente pedante, “É o pensamento elitista, cara!” diria Poncho.
Mas ali não havia nada de elitista. Mesa, cadeira, comida e uma decoração que poderia inspirar suicídio em formas de vidas mais inocentes. Felizmente, inocência não estava entre as principais características dos pilotos gordos e levemente sujos que costumavam comer por ali. Alguns deles estavam bebendo no balcão e jogando nas mesas.
- Passa a garrafa aí.
- Vai com calma, George, é 50% corante. Você vai ficar brilhante que nem um pirilampo estelar. – Disse Rurko, passando a garrafa.
- Falou o futuro Engenheiro Alquimista...
- Ei, se a gente contasse cartas, ia ter dinheiro pra comprar uma bebida de verdade. – Poncho continuava insistindo.
- Yamandu é bebida de verdade, mas o corante é forte mesmo, em alguns planetas pobres ele é usado como contraste de raios-X. -Respondeu George antes de beber mais um gole.
- Nada melhor pra acompanhar uma costeleta de Rinocetério... – Emendou Rurko, prestes a colocar um pedaço na boca – Eu só sei que não vou comer isso quando chegar a Fuidjin. Quando chegar, vou comer um lagostarão empanado, com água de côcoranja bem gelada, surfar no mar do sol poente e dormir nas sombras dos côcoranjais.
- De novo essa história desse planeta, Rurko? Você acha que vai conseguir chegar num planeta-ilha que só foi encontrado duas vezes em 300 milênios? – Questionou George ao perceber que era a 1ª vez que ele ouvia esse coversa.
-Lógico que vamos encontrá-lo. Tudo bem que ele está em um buraco híperespacial que torna impossível seu mapeamento e esse buraco o faz mudar de posição a cada cinco dias, o menor tempo de estadia entre todos os planetas-ilhas já citados pela historia. Mas pense quando finalmente o encontramos, suas belas praia de areia douradas e com suas florestas coloridas com os mais diversos animais, fora que podemos conhecer novas culturas e mundos sem se preocupar em ficar trocando a bateria da nave cada vez que superaquecermos o motor.
- Ok, vê quanto deu a conta – disse George - Vocês dividem por que eu só vou pegar meu dinheiro no banco galáctico em Plêiades, a casa da vovó.
Poncho ligou a tela da mesa, onde viu a conta: 18,50 lactares. Nem deu bola, já que só ia ter dinheiro só daqui um mês, quando trabalhasse na biblioteca das Plêiades.
- Mas você tá sem dinheiro também, George?- Rurko começando a entender a situação. - Paga você Poncho, depois a gente divide.
- Putz cara! Eu não tenho dinheiro nenhum... Vamos sair correndo sem pagar, a gente liga o alarme de incêndio.
- Vamos fazer do jeito clássico, lavando pratos, depois a gente vai embora e tudo se resolve, eu quero chegar na casa da minha avó hoje ainda. Também que merda, ninguém trouxe dinheiro.
- Pratos? Que pratos? Não existem mais desde a virada verde... Fim dos pratos, sacolas plásticas e isopor. Salvaram o planeta? Não, mas os fabricantes de sacolas de pano ficaram ricos, e foram os primeiros a fugir pra Marte, era bom morar na Terra... – Se lembrou Poncho suspirando.
- É, eram bons tempos de vadiagem na escola, ficar indo na quadra ver as meninas jogar vôlei... Será que o Portiolli abriu alguma outra quitanda por aí? - Perguntou George.
- Quitanda, cara? Aquilo era só cerveja, na porta da escola... - Respondeu Poncho.
- Ouvi falar que ele está na Lua contrabandeando pros mineiros.
- Putz, o Portiolli tá na Lua? Ele sempre foi meio pirado... E aquele professor de Chinês? O Mango? Será que a cirrose já levou ele?
- Que nada, o Mango foi pra Jethrull com o comboio hippie. A colônia mais legal das que se formaram depois do fim da Terra. Lá não têm natal, eles comemoram o nascimento de Jimi Hendrix fazendo um revival de Woodstock todo ano no dia 27 de dezembro.
- A gente tem que dar uma passada lá então, cara.
- Voltando ao problema... - Disse Rurko , tentando voltar ao assunto - Como vamos pagar a conta?
- Sair correndo, nossa única chance.
- Não jumento... Vamos contar cartas, não era isso que você queria?
-Yeah!
- Eu ainda acho essa ideia idiota, mas vamos lá... Fazer o que? – Disse George com uma cara de desgosto.
Eles se levantaram e se dirigiram para o canto das mesas de 42 do outro lado do balcão. Eram mesas engorduradas ocupadas por caminhoneiros engordurados. Os dealers eram robôs com vazamentos de óleo nas juntas e os lustres vermelhos terminavam de compor esse lindo cenário de cassino pós-apocalíptico. O jogo em si era simples, uma versão do velho 21 da Terra, mas com um baralho hexadecimal.
O plano consistia em contar as cartas do baralho para saber quando viriam as mais altas. Assim, quando as primeiras quatro cartas viessem o jogador saberia as chances de formar um jogo bom antes do próximo lance. Essa foi uma das razões que levou ao uso do hexadecimal, não que tenha funcionado.
- Cadê o George? – perguntou Rurko.
- Sei lá, ele disse que já vinha. Esquece ele. Carta alta mais um, carta baixa menos um, quanto a contagem estiver baixa você me chama, eu fico naquela mesa, é só me chamar.
Poncho foi para a mesa do canto e Rurko se sentou ao lado de um caminhoneiro que estranhamente era muito parecido com o dinossauro Barney. Um nariz meio retangular, um sorriso de maníaco e com a luz vermelha batendo naquele rosto, podia jurar que ele era roxo. Durante o jogo, o que se passou pela sua cabeça foi mais ou menos isso:
"Bom vamos lá ,As, 8, 9,30,28,29,WOW! Nossa, minha barriga deve tá com um alien. Essa dor não é normal. 40 , 17 ,15, 2, 4... Até agora deu -3, parece que a mesa tá boa, vou chamar o Ponch.... Meu Deus, eu tenho que ir no banheiro!!!".
Atravessando essa atribulação, Rurko chamou Poncho para a mesa.
- Menos 3 - murmurou.
Poncho respondeu com um joia embaixo da mesa e Rurko foi levantando aos poucos. Em breve ele soltaria no banheiro seu 8º passageiro.
O jogo começa, e assim como o voar das cartas sobre a mesa, uma Vikings-Xt9 vai em direção ao planeta mais próximo do espaço-porto, Due-Laguem, com motores potentes, mas lataria desgastada por inúmeras batalhas. Bem, Keslar nunca foi um bom manobrista, talvez por ser cego de um olho e ter o outro substituído por um eletrograficóptico, mas mesmo assim ele era o melhor de todo o bando.
Keslar cuidava do yamandus, a principal carga "recuperada" pelo bando, além de pilotar a Vikings. Rico era o sorrateiro, aquele que sempre foge de fininho ou bate carteiras, quase nunca obtendo sucesso. Mesmo possuindo certa habilidade para a coisa, seus 4 metros de altura e seu corpo largo como uma tora de Ygg tinha grande influencia na sua porcentagem de falha. Por fim, Slach, o chefe do grupo. Tinha uma voz como a de Shao Kahn, uma voz de comando, grave, potente e assustadora. Era conhecido como O Duende da voz de ferro.
Um grupo pequeno, mas suficiente para golpes que rendiam o rinocetério de cada dia, como o do menino machucado, ou o do gigante machucado, ou o do motorista do olho eletrograficóptico machucado... Mas nesse dia eles estavam mais nostálgicos e utilizaram o velho golpe de pedir socorro e dizer que se está a deriva contra uma nave mercante.
No mesmo momento em que a nave do bando entrou freneticamente na atmosfera de Due-Laguem, com o calor flamejante a sua volta, as duas cartas pousaram na frente de Poncho.
- PONCHO! Perdendo muito?- Disse George ao chegar.
- George porque demorou tanto? Tô quase conseguindo uma grana preta muAHuahauhauaHuahauhauAH.
- Como assim quase?
- AHHH!! Não que eu esteja viciado, mas tenho certeza que vou conseguir dobrar tudo agora, com aquela carta que ele vai tirar daqui a pouco.
- Sei... Você vai perder.
No momento que a carta ia ser tirada o robô trava e em um piscar de olhos homens musculosos retiram o lixo velho travado, que é trocado por uma belezoca polida tinindo á platina, ROB GAMERS X 42, novinho em folha.
- Hmm, não sabia que podia fazer isso no meio do jogo.
- Também não se pode contar cartas.
Então o novo robô soltou as ultimas duas cartas. Com um novo baralho a contagem estava perdida, Poncho dependeria apenas da sorte.
- Rá, falei que você ia perder.
Poncho estava tão abismado com o que tinha acabado de acontecer que só conseguia encarar as cartas sem acreditar.
- Pelo menos um problema já está resolvido, achei uma bateria.
- Perdi toda a grana...
- Agora é só instalar.
- Maldito robô novo...
- Eu tive muita sorte achei do lado de uma nave.
- PORQUE CÉUS?! COMO VAMOS ARRANJAR A BATERIA AGORA?!.
- Você não ouviu nada do que eu disse, não é?
- Ouviu o quê?
- Bateria. Achei. Lado de uma nave.
- Que nave?
- Uma nave lá, cinza com uns detalhes pretos na lateral com um adesivo da família do Barney. Estava jogada do lado...
- Mas como você achou essa nave?
- Eu não tava muito a fim de jogar com vocês, então eu fui procurar uma máquina de doce lá fora. Daí eu lembrei que a gente tava sem dinheiro e fui procurar alguma coisa pra arrebentar a máquina. Tinha essa coisa preta e quadrada do lado da nave. Até que serviu bem. Pena que amassou meu chocolate, por sinal, a gente devia andar com mais coisas dessas, não ia precisar de dinheiro por um bom tempo. Então quando fui descobrir mais sobre essa magnífica ferramenta vi que era uma bateria.
- Então isso aí é meu! – Disse o caminhoneiro Barney com certa rispidez.
- Nossa, quanto caso por causa de um chocolate. - Disse George olhando pra sua meia barra amassada.
- Acho que ele tá falando da bateria, cara.
- Essa bateria tem um dono, e você tá falando com ele. Passa isso pra cá moleque!
- Você não quer a bateria, você quer o chocolate... - disse George fazendo o velho truque Jedi.
- Não, eu quero a bateria. Agora.
- Chocolate...
- Bateria.
- Nããão... Chocolaaate...
- Cara... Mas... O que...
Nesse momento George fez um movimento frenético com as mãos fazendo com que o seu resto de chocolate voasse no robô dealer, que desorientado acabou derrubando o caminhoneiro Barney.
- Ahá! O truque Jedi nunca falha.
- MUITO BOM PADAWAN, AGORA VAMOS!!!- disse Poncho puxando George.
A dupla corria freneticamente, esbarrando nas mesas e empurrando todas bandejas flutuantes que encontravam pela frente, sairam pela porta da frente com uma tempestade de grotescos elogios deixados para trás. Ao chegar ao estacionamento estava lá a nossa amada Valkyria guerreira de muitas viagens.
Enquanto bem atrás estavam vindo o caminhoneiro, com seu sorriso hediondo, e mais meia dúzia de robôs de segurança.
Sem olha para trás os dois subiram rapidamente a rampa de embarque da Valkyria.
-RAPIDO, VAMOS SAIR DAQUI, passa a bateria pra cá e vai ligar a Valkyria – Disse George jogando a bateria para Poncho.
Poncho abriu o compartimento da bateria à esquerda da rampa e colocou a bateria lá dentro desejando que tivesse acertado os polos. A rampa se levantou e a Valkyria começou a subir verticalmente.
Os motores da velocidade da luz já estavam ligados e prontos para trabalhar. Enquanto Barney olhava furioso para o rastro deixado, mas sem deixar de sorrir.
- Nossa você foi rápido George.
- Não fui eu, o Rurko já tava lá, vi de longe ele sentado na cadeira do piloto.
- Foi por pouco...
- Vamos ver pra onde o Rurko esta nos levando.
Ao chegar ao compartimento do piloto, George se aproximou de Rurko e botou a mão sobre seu ombro:
-Qual a próxima pa... MEU DEUS O RURKO TÁ MURCHANDO.
-Putz, esse não é o Rurko, é o piloto automático.
- Então onde ele está?
Enquanto os dois se olhavam perplexos, a reposta veio como uma só palavra piscando em neon dentro de suas cabeças. Banheiro.
Mais capítulos querer eu vou. ç_ç
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